“Estou literalmente frita”, diz a moça que acabou de perder o emprego, sem saber que desperta na imaginação de seu interlocutor quadros terríveis de violência medieval. Teriam os perpetradores de tal barbaridade usado azeite, manteiga ou óleo de girassol?
Nenhuma das alternativas acima, claro. A moça desempregada quer dizer que está figuradamente frita, mas erra o advérbio e acaba usando um de sentido oposto. O máximo que se pode dizer em sua defesa é que tem a companhia de multidões.
Não é de hoje que o advérbio literalmente vem sendo usado de forma liberal demais, como se seu papel fosse o de intensificar, frisar, quando tem função bem diferente. Quer dizer “ao pé da letra” e indica que uma palavra ou expressão não deve ser compreendida, naquele caso, em sentido figurado.
De modo geral, emprega-se literalmente em duas situações: para destacar que uma transcrição ou tradução é meticulosamente fiel ao original ou quando – quase sempre com intenções cômicas, espirituosas – uma expressão que poderia ser compreendida em sentido figurado aparece em sua acepção mais básica, literal.
Alguns exemplos de uso adequado do advérbio, todos no campo da comédia ligeira: “O bombeiro hidráulico entrou pelo cano – literalmente”; “Escassez de seringas na saúde pública é o fim da picada – literalmente”; “Brasileiro vai para o espaço – literalmente”.
Como se vê, mesmo como recurso cômico o literalmente é de eficácia duvidosa. Tem sua hora, mas recomenda-se usar com parcimônia. A mesma parcimônia que devemos exercitar diante da moça “literalmente frita” e sinceramente aflita, contendo o impulso de lhe perguntar sobre a manteiga e o óleo de girassol.
Lições de português têm hora.