‘Alunxs’ vale como provocação, mas que feio, Pedro II!

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Uma semana em que o tradicional Colégio Pedro II, do Rio de Janeiro, adere ao suposto novo gênero neutro defendido por grupos feministas e LGBTs e pespega um “alunxs” em aviso da coordenação (foto do Globo, que noticiou o caso aqui) é uma semana ruim para a língua brasileira.

Não porque se trate de um caso de “novilíngua à (sic) serviço da agenda gay marxista”, como esbravejou um site evangélico, ou outras bobagens do gênero.

Vamos reconhecer logo: como provocação, tomada de posição política, expressão iconoclasta da liberdade de moldar a língua, o xis vale. A arroba que também se usa com frequência no mesmo papel é uma solução claramente superior (“alun@s”), mas tudo bem. Valem os dois.

O problema é que, como proposta de intervenção gramatical, esse xis (ou essa arroba) tem tanto valor quanto um emoji, um coraçãozinho que significa “amo”, um blz no lugar de “beleza”. Isto é, valor nenhum. Por razões poderosas e puramente linguísticas, nada a ver com ideologia, está condenado a ser um modismo esquecido em futuro não muito distante, como esquecidas foram as travessuras linguísticas do Seu Creysson.

“Alunxs” é um termo agramatical que inverte a ordem natural dos fatores de qualquer língua (começa escrito para depois ser oral) e, o que é pior, fracassa antes de atingir a oralidade. Como se pronuncia isso? Como se escreve, tratando-se de um par de dois gêneros, algo simples como “os dois”? “Xs dxxs”? Mas que trágico esse genocídio das vogais numa língua que tanto as ama, não? E de que forma resolver as flexões mais complexas em que os gêneros exigem números diferentes de caracteres, como “alunos lindões e alunas lindonas”? “Alunxs lindoxs” ou “lindoxxs”? (Melhor evitar, pensando bem. Vão dizer que é assédio.)

Digamos que até aí esteja valendo. Nem só de gramática vive o homem (e a mulher e o transexual e todo o etc. do mundo). Pinta o bigode na Mona Lisa quem quiser, pois entre outras coisas a língua é isso mesmo: uma caixa de Lego para o falante e um campo de batalha simbólica para diferentes grupos de interesse.

O que torna a semana triste para o português brasileiro é ver um colégio respeitável como o Pedro II, onde lecionaram gramáticos do tamanho de Said Ali e Celso Cunha, entre outros, se render de forma acrítica ao modismo.

Não é este o papel de uma instituição de ensino que se leva a sério. Perdendo-se a chance de usar “alunxs” como ponto de partida para uma reflexão profunda sobre o idioma, quem vai explicar ao pessoal que todo esse barulho se baseia numa visão ingênua da língua (gênero gramatical é uma coisa, sexualidade é outra) e que o famoso “machismo ancestral” embutido no plural “alunos” é, do ponto de vista da gramática histórica, uma balela?

Com a palavra, o linguista Aldo Bizzocchi (artigo completo aqui):

…a razão pela qual usamos o gênero masculino para nos referir a homens e mulheres não é ideológica, mas fonética. Em latim, havia três gêneros – masculino, feminino e neutro –, cujas terminações mais frequentes eram ‑us, ‑a e ‑um. O chamado gênero complexo, que agrupa substantivos de gêneros diferentes, era indicado em latim pelo neutro.

Quando, por força da evolução fonética, as consoantes finais do latim se perderam, as terminações do masculino e do neutro se fundiram, resultando nas desinências portuguesas ‑o e ‑a, características da maioria das palavras masculinas e femininas, respectivamente. Ou seja, o nosso gênero masculino é também gênero neutro e complexo. Portanto, não há nada de ideológico, muito menos de machista, na concordância nominal do português.

Dito isso, e mandando a modéstia passear, acrescento que jamais será uma semana de todo ruim para o português brasileiro aquela que viu nascer um espaço virtual onde tudo isso pode ser debatido “sem caretice e sem vale-tudo” – bom, pelo menos eu tentei. Que venham as pedras inescapáveis.

35 pensamentos sobre “‘Alunxs’ vale como provocação, mas que feio, Pedro II!

  • 25/09/2015 em 11:11
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    Muito interessante, mas evidente que a explicação não ideológica não convence. Jamais a terminação em a seria adotada como neutra, posto que o gênero masculino é dominante em todos os sentidos do termo. Prova disto é que o uso da palavra presidenta é ridicularizado como uma aberração, incomodando até mais do que o uso de aberrações linguísticas. Vá lá ser pouco sábio, mas ser feminista é um ato criminoso.

    • 25/09/2015 em 11:28
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      Você lança uma especulação contra um fato linguístico, Luciana. Pode ser que tenha razão, mas pelo menos num caso o plural de dois gêneros do português é “feminino”, e igualmente por razões fortuitas: avós. “Presidenta” é outro vespeiro bem diferente.

    • 25/09/2015 em 16:41
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      Ser feminista é um ato tão criminoso quanto o de ser machista. 😉

      • 28/09/2015 em 17:02
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        “Ser feminista é um ato tão criminoso quanto o de ser machista.”
        Crime deveria ser ter opiniões tão burras como essa.

        • 28/09/2015 em 18:56
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          Crime é você não respeitar uma opinião e afirmar que ela é burra.

          • 29/09/2015 em 14:36
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            Curioso que pede que eu respeite as opiniões dos outros e ao mesmo tempo não respeita a minha.
            Gostei da coerência.

  • 25/09/2015 em 14:08
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    Sérgio, antes de mais, e apesar do mote desta plaga virtual, acho que o fundamental é celebrar que estejamos discutindo algo que resulta de movimentos relevantes que questionam o machismo. Ponto.
    Quanto à “balela” do machismo ancestral, parece-me, na melhor das hipóteses, simplista e ingênuo imaginar que o “fato linguístico” deu-se de forma monolítica, desconsiderando a virilidade dos baluartes de nossa civilização. Concordo com a Luciana: fosse a tal fusão resultar na difusão do gênero feminino, difícil imaginar que acontecesse.
    Os avós são um caso. Não tenho competência pra fazer um levantamento das ocorrências, mas, pô, havemos de concordar que eset caso é exceção, não?
    E finalmente, claro, o x e a arroba não dão conta – se nada mais houvesse, a oralidade liquida a discussão. Havemos de inventar outra possibilidade gramaticalmente viável.

    • 25/09/2015 em 15:02
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      Não me lembro de ter falado em nada monolítico, Theo. Naturalmente, não se pode descartar – como especulação, impossível ir além disso – a possibilidade de haver um fundo machista e patriarcal no próprio neutro latino, que afinal é mais próximo da sonoridade do masculino. Quanto à relevância desses “movimentos”, hmm, vá lá: é bom estar aqui discutindo o tema. Mas vejo bem pouca além disso. Não enxergo futuro nesse caminho e acho bom que não tenha, pois há questões reais de discriminação a serem resolvidas no plano real, sem preocupação com letrinhas x ou y. Suspeito que o apego excessivo do discurso PC ao plano simbólico acabe jogando contra suas causas em alguma medida. É minha opinião – que pode lhe parecer absurda, mas que de ingênua não tem nada.

    • 27/09/2015 em 03:03
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      Talvez a evolução linguística do português tenha sido influenciado por razões machistas, essa sem dúvidas é uma opção plausível. No entanto eu não decretaria isso sem olhar pra outros exemplos. Para pontuar, os povos germânicos fizeram parte do Império romano e a língua alemã sofreu também influência do latim, exemplos disso são: a presença de três generos tal qual no latim, e até uma saudação muito comum na região da Baviera, onde se diz “servus”. A questão é que no alemão existe apenas um plural para os três generos e é o feminino. Será que isso está relacionado a um pouco machismo do povo alemão? (Realmente não sei, a pergunta ñ é retórica)
      Bem, o comentário foi só pra servir de questionamento se é tão óbvio assim que o machismo tem influência direta sobre a evolução de um idioma.

      • 27/09/2015 em 10:36
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        Você toca num ponto fundamental, Kainã. Como o machismo ancestral da espécie é indiscutível, o modo como ele teria se refletido nas línguas é muitas vezes tido como óbvio e autoexplicativo, coisa para nem ser discutida. Quando se estuda um pouco o problema, fica claro que a relação passa muito longe de ser automática. Neste artigo de Caetano Galindo (http://www.gazetadopovo.com.br/caderno-g/colunistas/caetano-galindo/problemos-6p7kom6aug5msu4fenjl5nul0) é mencionado um povo amazônico em que os coletivos são todos femininos e as mulheres são tratadas como lixo. Desnaturalizar a linguagem (= compreendê-la como construção histórica) é preciso. Mas para isso convém conhecer a história, sob pena de trocar um mito, o da neutralidade da língua, por outro, o da malignidade da língua.

  • 25/09/2015 em 14:56
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    http://www.cp2.g12.br/images/comunicacao/2015/SETEMBRO/nota_publica_01.pdf

    “Não é o x em alunos e alunas que irá reduzir a excelência de nosso trabalho.
    Este não é o problema.
    Problema há nos altos índices nacionais de analfabetismo, na má distribuição de
    renda, nas injustiças sociais e disto deveriam os detratores do Colégio Pedro II
    tratar, cada um em sua área de atuação.”

    • 25/09/2015 em 15:13
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      Ainda que o timing seja uma honra para o Melhor dizendo, achei muito ruim a nota oficial divulgada há pouco pelo reitor do Colégio Pedro II, Oscar Halac (link no comentário de Beatriz Jorge, aí em cima). Ele começa dizendo que a opção por “alunxs” não é um ato oficial do colégio (ninguém afirmou que fosse) e continua enfileirando clichês militantes que, a meu ver, fogem ao mérito da questão: “O x, que em matemática retrata uma solução, vai além da questão gramatical. Ele quando não solucionado, na questão de gêneros, atinge pessoas causando sofrimento e dor às personalidades aprisionadas em moldes sociológicos ocos de verdade”(!). E os críticos, chamados de “detratores” do colégio, são instados a calar a boca ou tratar de outros assuntos, só isso: imagina, como ousam se meter com o venerável PII! De certa forma, a nota torna todo esse episódio bem mais compreensível, mas piora o que não estava bom. Pena.

  • 25/09/2015 em 18:08
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    Prezado Sérgio,
    Em primeiro lugar, parabéns pelo seu novo blog. Em segundo, obrigado pela citação. Em terceiro lugar, gostaria de acrescentar que a língua escrita já oferece há anos um recurso bastante prático para abranger os dois gêneros (e todos os demais que já se instituíram ou venham a se instituir). Trata-se do “o(a)”: Prezado(a) Sr.(a), os(as) alunos(as), etc.
    Por último, gostaria de indicar o interessante artigo de nossa colega Thaís Nicoletti sobre essa questão: http://www.revistadacultura.com.br/resultado/13-12-04/Banheiro_para_todos.aspx
    Um grande abraço.

    • 25/09/2015 em 18:29
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      Caro Aldo, sou eu que lhe agradeço pela preciosa contribuição (involuntária, mas espero que indolor). Valeu também pelo link para o ótimo artigo da Thaís. Forte abraço, e apareça sempre.

      • 27/09/2015 em 13:03
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        Caro Sérgio,
        Aproveito este nosso diálogo para convidar você a conhecer o núcleo de pesquisa de que participo, o NEHiLP-USP (www.nehilp.org). Trata-se de um núcleo de pesquisas em etimologia e história da língua portuguesa sediado na Universidade de São Paulo mas que conta com pesquisadores e colaboradores de várias partes do mundo. Estamos elaborando o mais moderno e ambicioso dicionário etimológico da língua portuguesa, o primeiro a ser totalmente elaborado com metodologia cem por cento científica e tecnologia de ponta, o que certamente colocará o Brasil e a língua portuguesa na vanguarda dos estudos etimológicos.
        Caso se interesse pelo projeto, ficaríamos honrados em ter você como colaborador, mesmo que eventual, pois precisamos de etimologistas sérios, o que você tem provado que é por meio da sua coluna.
        Um grande abraço.

        • 27/09/2015 em 14:07
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          Caro Aldo, muito obrigado pela informação do projeto do novo dicionário, que vai preencher uma lacuna ululante, e pelo convite para colaborar com ele, que já está aceito. Honrado fico eu! Fico também um pouco perplexo, confesso, mas se você acredita que um escritor formado em jornalismo e autodidata em assuntos de língua pode contribuir com esse trabalho, não precisa chamar duas vezes. Fiquemos em contato por email: . Forte abraço.

          • 27/09/2015 em 17:19
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            Sérgio, fico feliz que tenha aceitado nosso convite. Já anotei seu e-mail e agora vou escrever ao Prof. Dr. Mário Eduardo Viaro, coordenador do núcleo, com cópia para você a fim de fazer as apresentações.
            Bem-vindo ao projeto!

  • 25/09/2015 em 22:14
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    Uai, eu hein. Você mesmo posta um quote falando de evolução fonética e ignora isso completamente no seu texto. A língua é uma coisa viva, existe para servir os falantes e não o contrário. Nessa discussão, a gramática entra em último lugar na escala de relevância.

    • 25/09/2015 em 22:38
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      “Evolução fonética”, Ana? O xis neutro, que nem pronúncia tem? Pense de novo no que você escreveu. A gramática (não a normativa, a gramática em seu sentido mais profundo) sempre estará em primeiríssimo lugar quando se trata da língua. O que não pode ser gramaticalizado (incorporado ao sistema da língua), como esse xis, está condenado a permanecer acessório e morrer. É só isso.

  • 25/09/2015 em 23:11
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    pior é ver gente confusa flexionando VERBOS pro feminino. outro dia li de uma amiga adulta e com terceiro grau completo um ‘eu e fulano fomxs convidadxs’ que foi de doer…

    ainda assim acho interessante a brincadeira enquanto grafismo e não vejo tanto problema no pedro II assumir o modismo num comunicado informal como parecia ser esse. no caso acho a questão do combate ao preconceito mais importante que a peitica gramatical, afinal, o pedroII é um ótimo colégio e os alunos com certeza saberão contextualizar tal estripulia

  • 26/09/2015 em 05:57
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    Já li um artigo de um linguista explicando que não há “marca de gênero” em usos como “Todos os elefantes deste zoológico são asiáticos” ou “Todos os que usam @ em palavras são simplórios”

  • 26/09/2015 em 11:50
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    Olá, Sérgio!
    Tipo… O xis não está mais sendo usado também na militância… E não porque se aceita a dominância (Que aparentemente parece não crer que exista); foi por questão de fonética, para não se excluir pessoas disléxicas dos discursos, pessoas em processo de alfabetização, enfim, vem sendo rejeitado para incluir mais pessoas, tal como foi sua criação. Talvez você se choque, mas existem pessoas que não se identificam com gênero algum, imagine tamanha transgressão à norma e heteronorma, não?
    Muitas pessoas estão optando pelo uso de “e” (“Alunes”, “garote, e segue.), ainda que existam problemas com isso também. O que importa é que vamos continuar em busca de uma solução, para que ninguém seja excluído… Me diga, é uma coisa ruim se esforçar para incluir todos? Qual o incômodo que isso cria? A língua trabalhando para nos ajudar na comunicação é, então, ferramenta. “Ah, mas a regra não é essa, você está violando a norma culta, salve! Salve!”, me permita responder: sim! Espero que não veja problema nisso, pois nada há de ser feito com a inconformidade de quem nem aceita que existe opressão.

    • 26/09/2015 em 17:19
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      Olá, Sara. Você me interpreta mal: minhas reservas ao xis não têm nada a ver com defesa da norma culta, embora no caso de um colégio como o Pedro II esse aspecto tenha que ser considerado. Como eu disse, qualquer falante tem toda liberdade para modelar a sua língua a fim de “incluir” (ou “excluir”, por falar nisso) do jeito que quiser e puder – embora transformar esse uso em coletivo e socialmente instrumental seja bem mais complicado, claro. Como eu disse em resposta a outro comentário, o problema com soluções desse tipo é que o que não se “gramaticaliza”, e mais uma vez não falo da norma culta, permanece acessório e logo cai no esquecimento. A língua é osso duro: cristaliza milênios de vilezas e preconceitos – evidentemente, feita que foi pela humanidade -, mas tem dinâmica própria e interferir nela de modo efetivo é tarefa não impossível, mas terrivelmente difícil. Não sou contra a inclusão de ninguém, odeio discriminação de qualquer tipo, incluo o machismo e a homofobia entre as maiores chagas do Brasil, pode acreditar. Mas numa coisa certamente discordamos: não é de hoje que a ênfase do PC na linguagem, no plano simbólico, me parece desviar energia de (e ao mesmo tempo compensar a impotência para) a luta no plano real, onde o bicho pega de verdade. Um abraço.

  • 26/09/2015 em 13:22
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    Antes de tudo, faço questão de dizer que admiro e respeito o CPII, de perto, por vários motivos. Mas trocar a escrita oficial de um modo geral e principalmente em aviso ou correspondência de uma instituição, especialmente de uma escola, sequer é respeitar a autonomia do professor ou mesmo do aluno. Resguardando as devidas proporções, é fazer justiça com as próprias mãos num tipo de “milícia normativa”, é igual a querer mudar os livros de Monteiro Lobato! Quero pensar que tudo é válido em favor do respeito aos gêneros, contra a homofobia e o machismo, mas escrever dentro das normas da nossa língua, nem de longe é desrespeito a isso tudo; é respeitar e valorizar a nossa língua e portanto e por fim, a nossa identidade de brasileiros, de todos os gêneros! Junto com favorecer a aceitação dos gêneros todos, há que se favorecer o desenvolvimento da maturidade também!

  • 26/09/2015 em 20:58
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    Texto perfeito e necessário. É triste que para criar uma sociedade menos preconceituosa tenham de transformá-la também em uma sociedade ignorante.

  • 26/09/2015 em 23:15
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    Eu gosto muito dos seus textos e, embora tenha concordância com parte da análise sociolinguística que você faz, acho que ele mandou mal em vários aspectos. A estrutura do Colégio é dividida em campi; o tão propagandeado “pecado contra a língua” aconteceu em um campus; então dizer que o Colégio como um todo blá bli blá bláaa é furado. É claro que nem todos são obrigados a ter conhecimento desses detalhes, mas para nós, servidores, não é um detalhe. No campus onde houve esse uso, no ano passado, um aluno que tem problemas com a identificação de gênero não pode assistir às aulas trajando saia. O fato gerou um protesto – saiato. Desde então, esse tema tem sido de alguma forma discutido e trabalhado com mais ênfase, não só no campus em questão, mas, aí sim, no Colégio como um todo. Então, para nós, muito mais importante que a grafia, é o aspecto pedagógico. Nesse sentido, o seu texto, ainda que sua intenção não seja o de se alinhar ao discurso moralista, acaba servindo bem a ele ao “passar um carão” na Instituição com esse título “…mas que feio, Pedro II”. Por isso fiz questão de comentar. Na verdade, a estrutura da escola ainda é muito rígida e lutamos muito para que, pouco a pouco, o espaço pedagógico seja o mais plural possível. Por outro lado, tentar isolar o aspecto da desinência de gênero do contexto sócio-político, como se pela linguagem não perpassassem os as lutas travadas na sociedade em que vivem os falantes, nem as relações de poder que se estabelecem é querer atribuir à natureza convencional de toda língua uma “neutralidade” extrema. Enfim, prefiro aquele seu texto brilhante: “Salvem o português (ou brasileiro) de quem quer salvá-lo.
    P.S: Semana passada, usei seu texto “A diferença”, que tinha sido escolhido por mim para trabalhar a expressividade do adjetivo, numa turma de EJA em que havia um caso de discriminação religiosa. Fez a maior diferença!

    • 27/09/2015 em 02:33
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      Obrigado pela mensagem simpática e elucidativa, Kaeme. Ah, se o reitor escrevesse assim! Bom, acho que podemos deixar de lado a questão de em qual campus ocorreu o incidente do aluno de saia, pois isso não tem importância para o público de fora do colégio, e as razões que embasam a generalização jornalística “CPII” me parecem autoexplicativas. Já o incidente em si é sem dúvida relevante. Imagino que não seja mesmo fácil equacionar tudo isso no calor do front, mas, aqui da retaguarda, não vejo motivo para retirar a crítica que fiz ao uso acrítico de “alunxs” num comunicado da coordenação de um colégio que é a maior (e derradeira?) joia da coroa do combalido ensino público brasileiro. Isso é dar munição aos moralistas, como você diz? Bom, numa rede social alguém disse que criticar o xis neutro é se alinhar com o pastor Malafaia, e tudo anda tão burramente polarizado no Brasil que deve ter muita gente que concorda com isso. Não estou afirmando que seja o seu caso. Mas mesmo você, que cita dois de meus textos publicados no “What língua is esta?” como antídotos contra a intolerância, o que me alegra demais, diz que eu atribuo “neutralidade” à língua. Não faria uma coisa dessas. A língua nunca é inocente. Mas nesse mesmo livro há um outro artigo meu, chamado “Língua negra”, em que mostro preocupação com a tendência politicamente correta de culpar as palavras por crimes imaginários. É uma preocupação que cresceu desde então, à medida que cresce nas escolas do mundo ocidental o clima de sensibilidades à flor da pele e não-me-toques que deu no ambiente censório do ‘trigger warning’. Enfim, uma conversa complicada que não cabe aqui. No fim das contas, o que eu acho é que a chave das prisões corporificadas na língua deve ser procurada dentro da própria língua. Realmente não acredito que exista outra. O resto se resolve – porque só assim se resolve – longe do relativo conforto do plano simbólico, na sujeira do real. Um abraço e boa sorte aí no front.

  • 27/09/2015 em 12:16
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    Até que enfim uma explicação (a de Aldo Bizzocchi) que pode convencer os mais empedernidos quanto ao uso do masculino em determinados contextos. É ver machismo onde não há. Parabéns pela página, Sérgio! Visitarei sempre.

    • 27/09/2015 em 12:51
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      Fico contente de saber que estás por aqui, Antonio Carlos. Grande abraço.

  • 28/09/2015 em 10:02
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    Bravo! E vida longa à Língua Portuguesa! Ao Melhor Dizendo, também! Oh

  • 28/09/2015 em 17:33
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    Cláudio Moreno já escreveu sobre o assunto há algum tempo (2009), bem antes da modinha do “x”.
    http://sualingua.com.br/2009/09/21/sexismo-na-linguagem/

  • 18/10/2015 em 11:38
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    Sérgio, uma dúvida sobre essa parte da evolução do latim para o português.
    O caso lexicogênico foi o acusativo, certo?
    No acusativo, as terminações da primeira e segunda declinação no singular eram -am ( feminino); -um (masculino); -um (neutro). No plural, -as; -os; -a.
    É compreensível a confusão entre o masculino e o neutro no singular. Mas de que modo ocorreu o mesmo no plural que é tão diferente? Os falantes do latim vulgar começaram a declinar como se tudo fosse masculino?

    Já agradeço pela resposta! E também sou um leitor desde o tempo na Veja.

    • 26/10/2015 em 10:57
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      Caro Daniel, obrigado pela leitura. A questão que você traz é interessante e ultrapassa em léguas minha competência, mas acredito que a resposta esteja no fato de nunca ter havido propriamente uma transposição do plural latino, que era literário. Formou-se o plural de nossos vocábulos já à moda portuguesa, pela regra geral do acréscimo do ‘s’ no fim da palavra, o que terminou por deixar com a mesma cara o neutro e o masculino.

  • 21/10/2015 em 01:07
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    Bom, não sou uma pessoa super habilitada para adentrar detalhadamente no âmbito, mas como li o texto, li todos os comentários me sinto no direito de me expressar sem querer atingir ninguém (nos tempos atuais tudo e todos se atingem por tudo, até mesmo quando não lhes concerneria). Acho que o fato de utilizar o X é um fato que pode ser usado num contexto informal, como bem citava o texto, beleza pode ser “blz”, mas não há necessidade de dificultarmos a compreensão linguística (clareza para entendimento da mensagem) por fatores que acredito eu não serem 100% ideológicos, é como foi comentado, a língua não é santa e tem sua parcela de culpa enquanto às questões ideológicas por vezes, mas não é escrevendo X para determinar gêneros que vamos resolvê-las, o que resolve é: efetividade de políticas públicas e fiscalização sócio-governamental. E para finalizar gostaria de parabenizá-lo, Sérgio, por seu excelente trabalho que já venho lendo/acompanhando desde o “Sobre Palavras” da Veja e vida longa ao “Melhor Dizendo” que está incrível e muito lindo, aparência top de linha.

  • 20/08/2016 em 17:20
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    Realente é uma aberração! E o pior é que os mesmos que criaram isso, também criaram a “PRESIDENTA” no lugar da palavra presidentE que é gramaticalmente NEUTRA (ora, não existe PresidentO e PresidentA e deveriam comemorar isso por coerência!). Ou seja, eles forçam a neutralidade com um X descabido onde a gramatica divide as palavras por gênero e coloca o plural no masculino acrescido de “S” e tiram a neutralidade onde ela já existe gramaticalmente, como ocorre nas palavras Presidente e Inocente. Isto me faz concluir que são pessoas (OLHA AÍ UMA PALAVRA NEUTRA FEMININA, o que só indica que o correto é respeitar a gramática!) descomprometidas com a educação e que só querem “causar”.

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