A língua portuguesa tem gosto especial pela ambivalência de diminutivos e aumentativos. Como se sabe, os sufixos que alteram o grau de substantivos e adjetivos podem funcionar de forma literal, ou seja, com diminutivos e aumentativos cumprindo respectivamente os papéis de… diminuir e aumentar, pois é. Diminuir e aumentar sobretudo o tamanho, claro, mas também o valor ou a importância de algo. Acontece que os mesmos sufixos também podem dar uma cambalhota em que o diminutivo é usado para carinhosamente exaltar, enaltecer, dar relevo, enquanto o aumentativo amesquinha, deprecia, ironiza. Acordar cedinho é acordar muito cedo – não pouco. E o poetastro, aumentativo de poeta, é um poeta horroroso.
Nossa galeria histórica de jogadores de futebol é rica em exemplos dessa inversão. Hoje o protocolo dos nomes dos atletas anda mais conservador, mais próximo do registro civil, mas os craques do passado carregavam frequentemente a marca diminutiva de seu talento maior: Zizinho, Didi, Zico e Ronaldinho são bons exemplos. Por outro lado, jogadores valorizados mais pela força física do que pela habilidade com a bola, diversos deles francamente grossos, eram muitas vezes reconhecidos pelo aumentativo do nome. Pensando no futebol, corremos o risco de concluir que a fixação em sufixos de função diminutiva e aumentativa seja uma excentricidade brasileira. Não é bem assim.
Talvez tenhamos reforçado e dado novos desdobramentos a uma tendência da língua a brincar com “inhos” e “ões”, mas esta já estava presente na literatura lusitana entre o século XVI e o início do XVII, quando se forjou o português moderno. Frei Luís de Sousa falou carinhosamente em “esfarrapadinho inocente” e em “surdinho”. Nos Lusíadas, Camões vê a certa altura “levantar-se no ar um vaporzinho”. Os aumentativos também eram frequentes, quase sempre em tom pejorativo. Sá de Miranda gostava de adornar suas comédias com termos como “toleirão” (homem muito tolo) e “frieirão” (indiferente, frio em excesso).
É nesse relevo de contrastes marcantes entre o cômico e o sentimental, apontado por Said Ali em sua Gramática histórica da língua portuguesa, que devemos encaixar a forma derrisória pela qual o presidente do Senado, Renan Calheiros (foto), se referiu na segunda-feira, 24, ao juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara da Justiça Federal de Brasília, que dias antes havia autorizado a ação da Polícia Federal em que quatro policiais legislativos foram presos por suspeita de obstruir a Lava Jato: juizeco.
O sufixo “eco” está longe de ser um dos mais empregados no mundo dos diminutivos em língua portuguesa. Perde para “inho/zinho”, é claro, mas também para “ito/zito” – este mais usado em Portugal – e até para “ola”, “ote” e “ete/eta”. Foi recorrendo a “ete”, aliás, que Renan Calheiros, investigado em uma penca de inquéritos na Lava Jato, ampliou no mesmo fôlego seu repertório diminutivo-xingatório ao dizer que o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, que tinha feito críticas à Polícia Legislativa, comportava-se como um “chefete de polícia”. Para decepção dos caçadores de cacófatos, nenhum dos personagens assim atacados pelo presidente do Senado revidou na mesma moeda, o que poderia adicionar ao vocabulário daquilo que a imprensa tratou como um princípio de crise institucional o infeliz termo “politicozinho”.
De todo modo, foi mesmo “juizeco”, palavra mais cômica, inusitada e eloquente do que chefete, que levou a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Carmen Lúcia, a dar na mesa um soco figurado: “Onde um juiz for destratado, eu também sou”. Mesmo sendo pouco numerosas, são bastante coerentes as palavras que dão circulação mais ampla ao sufixo esculhambador escolhido por Renan para comprar briga com o Judiciário. A tensão institucional se dissipou em parte na quinta, 27, quando uma liminar do ministro Teori Zavaski suspendeu os efeitos da operação da PF. Restaram no ar o eco do juizeco e a certeza de que todas as palavras formadas com esse sufixo têm conotação desdenhosa – ou algo bem próximo disso. A ambiguidade não encontra solo fértil aqui.
Em geral ninguém tem dúvida sobre a intenção depreciativa do falante que menciona um timeco (time ruim), um jornaleco (jornal inexpressivo ou desonesto) ou um padreco, religioso apequenado que um personagem de João Ubaldo Ribeiro ajudou a imortalizar assim no clássico Viva o Povo Brasileiro: “Independente de ser padre, sou homem bem nascido, não posso ser comparado a um padreco desses que vêm do interior”. Uma exceção a essa regra parece ser “brilhareco”, que figura em todos os dicionários com a acepção de “grande brilho, atuação brilhante”, lado a lado com o sentido que acredito ser hegemônico no uso contemporâneo – o de “pequeno brilho, ação de pouco mérito ou que alardeia um valor superior ao que tem”. Seja como for, é sem dúvida ao lado do padreco ridículo do escritor baiano, e curiosamente com o mesmo tom de “sabe com quem está falando?”, que devemos colocar o juizeco do acuado presidente do Senado.
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Artigo publicado em minha coluna no caderno Aliás, do “Estadão”.